Às
vezes paramos um pouco e começamos
a
nos questionar sobre alguns acontecimentos em nossas vidas
Umas
vezes chegamos às respostas, outras não
Continua
a eterna indagação:
-
Por quê?
Aconteceu,
por exemplo, comigo, veja-se:
Certa
vez ganhei uma caneta
Ah,
que delícia!
Sim,
o prazer era tão grande em tê-la:
seu
revestimento maciço, cor de vinho,
detalhes
pratas, um pequeno ganchinho na lateral
-
era todo um charme este ganchinho -,
apoio
emborrachado para os dedos,
ponta
precisa, macia,
uma
delícia!
Não
desgrudava um instante dela,
queria-a
para mim, escrevia febrilmente,
às
vezes, quando a esquecia em casa,
meu
Deus, que tempo que não passava!
Chegava,
mal jogava a pasta sobre o birô e lá ela!
Mesmo
que naquele dia eu não escrevesse nada,
mas
era bom só segurá-la, tê-la!
Mas
o tempo foi passando
e
um dia, senti sua escrita,
antes
tão firme, desvanecer...
tornou-se
rachada,
com
espaços em branco na tinta preta que saía da ponta elegante.
Para
meu pesar, tudo só piorou:
os
espaços aumentaram até sua escrita tornar-se difícil e dura
Não
houve jeito. Sua tinta acabara
Não
podia mais estar comigo como dantes
Não
podia mais dar-me o prazer de sua escrita
Não
podia mais dialogar comigo
Fechou-se
para mim
No
entanto, meu amor por aquela caneta
era
tão incomensurável que resolvi mantê-la ali diante de mim
no
seu cantinho de sempre, dentro de um porta-canetas todo aveludado por dentro
e
todo talhado por fora
Ela
era a única que ocupava aquele depósito
Permanecia
lá: intocável, amada, respeitada, idolatrada
não
só pelos outros materiais de escritório, como por mim
-
aliás, acho que os outros materiais mais tinham inveja que respeito –
Mas
eu não: amava-a acima de qualquer outra coisa...
Por
várias vezes ainda tentei fazê-la riscar:
era
como um desejo de que, numa espécie de milagre,
ela
voltasse a falar comigo, voltasse a responder aos meus anseios,
que
voltasse à minha presença
Mas
foram em vão essas tentativas...
Contudo,
certa vez, ao chegar ao escritório,
Percebi
sobre os papeis, um risco familiar,
-
mais que familiar, até -,
era
um risco bonito, preciso, macio
era
ela, ela!
Sim,
ela voltara a viver, era sua mensagem a mim!
Imediatamente
tomei-a entre os dedos
e
escolhi o melhor papel que havia, o mais branquinho,
cheirando
ainda à goma,
e,
com o suor na mão, o coração em pulos e os pulsos apoiados na mesa
atritei
sua ponta no papel e deslizei com ela...
Mas
a escrita estava dura.
Não
queria seguir.
Não
havia tinta no papel.
A
caneta não escrevia.
Desisti,
desolado.
Seguiram-se
dias e,
vez
ou outra,
encontrava
um papel riscado
com
a mesma tinta,
sempre
o mesmo risco.
Eu
sabia que era ela
E,
com o tempo, compreendi que,
por
algum motivo,
talvez
para sempre incompreendido,
ela
não queria mais escrever entre meus dedos,
podia
viver sem mim,
estava
até feliz
-
outro dia encontrei uma anedota escrita por ela –
Só
me restou o questionamento:
-
Por quê?
Depois
tirei a caneta ingrata do portador aveludado
e
juntei-a aos lápis dentro do estojo comum.
Hoje
escrevo no computador
porque
é mais impessoal, mais frio,
se
eu não gostar, deleto.
Nem
ficam marcas ou borradeiras de corretivo.
Também
evito o contratempo de parar bem no ápice da
[ideia para fazer a ponta do lápis,
que quebrou!
Mas
ainda hoje me pergunto
-
e olha que já faz tempo o episódio da caneta -:
-
Por que mesmo?