sexta-feira, 27 de abril de 2012

a EsCaDa


Menino abandonado numa beira de escada
Chora de fome e de frio

Sobe e
          desce,
                  sobe e
                           desce...

E ninguém se compadece        
Sua mãe, não conhece. Seu pai, também não.
Cadê seus irmãos? Não tem!

Sobe e
          desce,
                  sobe e
                           desce...

E agora, moleque (fosse Drummond, diria: E agora, José?)

- Ninguém me enxerga...

Olha São Francisco! Veja Santa Cecília naquele pedestal!
Olha para ali... olha para acolá...
Mas ninguém olha o menino a agonizar...

Sobe e
          desce,
                  sobe e
                           desce...

Menino abandonado numa beira de escada
Morreu de fome e de frio.

Subiu e
           desceu,
                     subiu e
                               desceu...



Nem o vigário nem ninguém o percebeu...

domingo, 22 de abril de 2012

Sentimentos redivivos




Outra vez nós ali.
- o tempo e seu favor prestado aos reencontros –
As feições envelhecidas.
Tu numa fragilidade dócil, sem o vigor
De quando eu, criança, amava-te
no herói que eras para mim.
Hoje sou homem feito, esquecido
mesmo do menino que sorria de ti.

E entre nós uma longa mesa.
Tão longa quanto os anos que nos apartaram.
A toalha mal-posta ainda repleta de migalhas
do pão amargo do convívio partilhado.

Nossos olhos vagos, desencontrados,
cruzam-se num lance breve e sem graça.
Profusão de sentimentos incômodos e indistintos
emanam de nossos olhares tão doloridos.
O silêncio penso sobre nós. Nada a dizer.

De repente, a transposição da longa mesa.
Os braços se procuram, ainda indecisos e atrapalhados.
Então, no desejo recíproco,
um longo e forte abraço....................................................
..........................................................................................
Ouço uma palavra dita
com esforço e soluço.
Eu, lábios trêmulos, entredigo uma profunda resposta
de dor e alívio:
- Meu pai!

A toalha desliza da mesa
e envolve-se em si mesma
no chão.



sábado, 21 de abril de 2012

Entre o pôr do sol, o beijo dela e a noite, uma pergunta:

- Por que me amas, por quê?
Não te mereço!
Sou tão indigno de tua imensidade.
És quase divina!
Quando volteias em mim teus braços vejo-te magnífica, transcendental.
Mas eu não!
Sou apenas um pobre, reles mortal.
- Por que me amas, então, por quê?


sexta-feira, 20 de abril de 2012

Crônica da caneta

Às vezes paramos um pouco e começamos
a nos questionar sobre alguns acontecimentos em nossas vidas
Umas vezes chegamos às respostas, outras não
Continua a eterna indagação:
- Por quê?
Aconteceu, por exemplo, comigo, veja-se:

Certa vez ganhei uma caneta
Ah, que delícia!
Sim, o prazer era tão grande em tê-la:
seu revestimento maciço, cor de vinho,
detalhes pratas, um pequeno ganchinho na lateral
- era todo um charme este ganchinho -,
apoio emborrachado para os dedos,
ponta precisa, macia,
uma delícia!
Não desgrudava um instante dela,
queria-a para mim, escrevia febrilmente,
às vezes, quando a esquecia em casa,
meu Deus, que tempo que não passava!
Chegava, mal jogava a pasta sobre o birô e lá ela!
Mesmo que naquele dia eu não escrevesse nada,
mas era bom só segurá-la, tê-la!

Mas o tempo foi passando
e um dia, senti sua escrita,
antes tão firme, desvanecer...
tornou-se rachada,
com espaços em branco na tinta preta que saía da ponta elegante.
Para meu pesar, tudo só piorou:
os espaços aumentaram até sua escrita tornar-se difícil e dura

Não houve jeito. Sua tinta acabara
Não podia mais estar comigo como dantes
Não podia mais dar-me o prazer de sua escrita
Não podia mais dialogar comigo
Fechou-se para mim

No entanto, meu amor por aquela caneta
era tão incomensurável que resolvi mantê-la ali diante de mim
no seu cantinho de sempre, dentro de um porta-canetas todo aveludado por dentro
e todo talhado por fora
Ela era a única que ocupava aquele depósito
Permanecia lá: intocável, amada, respeitada, idolatrada
não só pelos outros materiais de escritório, como por mim
- aliás, acho que os outros materiais mais tinham inveja que respeito –
Mas eu não: amava-a acima de qualquer outra coisa...

Por várias vezes ainda tentei fazê-la riscar:
era como um desejo de que, numa espécie de milagre,
ela voltasse a falar comigo, voltasse a responder aos meus anseios,
que voltasse à minha presença
Mas foram em vão essas tentativas...

Contudo, certa vez, ao chegar ao escritório,
Percebi sobre os papeis, um risco familiar,
- mais que familiar, até -,
era um risco bonito, preciso, macio
era ela, ela!
Sim, ela voltara a viver, era sua mensagem a mim!
Imediatamente tomei-a entre os dedos
e escolhi o melhor papel que havia, o mais branquinho,
cheirando ainda à goma,
e, com o suor na mão, o coração em pulos e os pulsos apoiados na mesa
atritei sua ponta no papel e deslizei com ela...
 
Mas a escrita estava dura.
Não queria seguir.
Não havia tinta no papel.
A caneta não escrevia.
Desisti, desolado.
 
Seguiram-se dias e,
vez ou outra,
encontrava um papel riscado
com a mesma tinta,
sempre o mesmo risco.

Eu sabia que era ela
E, com o tempo, compreendi que,
por algum motivo,
talvez para sempre incompreendido,
ela não queria mais escrever entre meus dedos,
podia viver sem mim,
estava até feliz
- outro dia encontrei uma anedota escrita por ela –

Só me restou o questionamento:
- Por quê?

Depois tirei a caneta ingrata do portador aveludado
e juntei-a aos lápis dentro do estojo comum.

Hoje escrevo no computador
porque é mais impessoal, mais frio,
se eu não gostar, deleto.
Nem ficam marcas ou borradeiras de corretivo.
Também evito o contratempo de parar bem no ápice da
                          [ideia para fazer a ponta do lápis, que quebrou!


Mas ainda hoje me pergunto
- e olha que já faz tempo o episódio da caneta -:
- Por que mesmo?

Poemeto do silêncio

Por que esta guerra silenciosa
Em que há tanto que se diga,
mas finge-se uma mudez insólita,
cruel?

Navegantes

Ontem, quando eu me perguntava onde estaríamos,
eu saberia dizer com precisão
a colina, o vale ou a ilha de nossos sonhos.
Mas hoje o astrolábio de minhas ideias
confunde-se
e me confunde.
Já não sei para onde vamos
Já não sei se quero mais ir.
A última tempestade fragilizara nosso mastro e a vela perdera a virilidade
Talvez consigamos seguir ainda até qualquer terra firme,
Talvez tenhamos que voltar
para de onde um dia partimos
E nesse retorno,
rever a nossa epopéia.
Como num último suspiro diante da morte,
tudo passar por sobre os olhos.
Entretanto, sigamos em frente
ou retornemos caminho,
haverá sempre ao longe, embaçada pelo nevoeiro
no horizonte de nossas vidas
uma grande esfinge
indagando-nos para sempre os seus mistérios.

Quanto a nós,
haverá choro e ranger de dentes.

domingo, 15 de abril de 2012

   Umas palavras

   A literatura é apenas a concretude daquilo que está na natureza, nos homens, no mundo. O escritor é apenas um homem que pôde, por um acesso de transbordamento exprimir sob uma forma a essência de tudo o que está na vida, de tudo o que pulsa na latência do existir das coisas e dos seres. 
   É assim que sou. Busco na vivência a matéria da minha escrita. Observo o mundo e internalizo dele tudo o que me é possível. Quando não posso mais conter as dores e as felicidades desse mundo apenas em mim, grito; e este grito é uma palavra, um parágrafo inteiro... ou um poema!

Aprendi com um poeta a ver e sentir as coisas assim...